Ela vivia na Praia de Ingleses, em Florianópolis. Era apenas mais um cão de rua abandonado, na verdade, uma cadela. Recebia agrados de alguns e desprezo de outros. Assim sobrevivia, sabe-se lá quanto tempo sem um lar. Ninguém queria adotá-la, era um SRD (Sem raça definida), como tantas outras que sobram nas ruas. Mas um dia, um homem solitário na praia lhe deu atenção e juntos passaram a tarde brincando. Houve uma conexão instantânea entre os dois.
Foi tão divertido que o homem repetiu o encontro outras vezes, mas em todas as situações, na hora de ir embora, a cadela o seguia no caminho e ele a fazia voltar. Como ele vivia há uns 10 quilômetros dali, em um apartamento pequeno, não tinha condições de adotá-la, apesar de já ter sido conquistado por ela.
Certo dia o homem retornou à praia, mas para sua surpresa, não a encontrou. Voltou frustrado para casa. Fez isso por vários dias seguidos e nenhuma pista da cadela. Passou a procurá-la por toda a orla. Reuniu amigos, familiares, e criou uma "força tarefa" para o resgate, mas sem sucesso.
Agora o homem se lamentava por não a ter recolhido, lhe pesava a consciência e já estava desistindo.
No décimo dia, o homem estava em casa quando recebeu um chamado de sua esposa que acabara de chegar do trabalho. Ela estava na portaria do prédio e queria que ele se dirigisse até lá rapidamente. O homem desceu e quando chegou ao portão lá estava sua mulher e a cadela. Sim, a cadela!
A mulher a encontrou dormindo em frente ao prédio. Ficou dez dias perambulando por todo o bairro até encontrá-lo. Estava exausta e faminta.
Que faro incrível, não? Ela o escolheu. Agora estavam juntos novamente.
A cadela foi adotada e vive com o casal há cinco anos e inspirou o homem a escrever um livro, ainda não lançado.
Veja uma parte do livro: O escolhido
"Na relação intensa com a escória dos cães, um legítimo pária, aqueles esquecidos, humilhados, tratados como ratos urbanos, quase invisíveis na multidão, despertou para o deslumbramento da vida, que jamais seria a mesma.
Mas, o que de tão especial tinha esse ser de quatro patas? O que o diferenciava de outro bicho? Qualquer resposta seria elusiva. Aos olhares leigos era apenas uma cadela da rua, com suas pulgas e carrapatos.
Que nojo, não?!
A cada pessoa que lhe dava atenção tentou transmitir no olhar enternecedor o seu desejo. E se esforçou muito. Alguns entendiam o seu apelo, sensibilizavam-se com a sua condição, no entanto, viravam as costas e deixavam-na para trás. Ouvia todo tipo de desculpa, "já tenho um cão", "moro em apartamento", "você é muito grande". Muitas vezes, ela insistiu, seguiu quem a afagou, mas depois ouviu um "sai pra lá", e teve que voltar. Retornava desolada, e mais rejeitada do que antes. O desprezo era o fantasma com o qual tinha que lidar todos os dias.
Por que as pessoas compram cães como mercadorias em prateleiras, enquanto há tantos animais abandonados? Explique para eles."