Janelas quebradas ou "broken windows" é uma teoria norte-americana ligada à
política de segurança pública e ao enfrentamento do crime que se baseia no fato de que a
desordem é um fator fundamental na elevação dos índices de criminalidade.
Portanto, conforme a teoria, se os pequenos delitos ou contravenções não forem reprimidos, esses
influenciam e propiciam, inevitavelmente, o surgimento e o aumento de um ambiente de
condutas criminosas mais graves, pois passa-se a se perceber um descaso ou uma ineficiência
do poder público em prevenir/evitar as desordens e reprimir os responsáveis pelas estas
desordens, contravenções e crimes menos graves. Então, um ambiente desorganizado gera
mais desordem e favorece o acontecimento de delitos mais graves. Esse é o princípio da teoria
das janelas quebradas, estudado desde a década de 1980 por especialistas nas áreas da
segurança pública, criminologia, dentre outros. Não é preciso andar muito nas ruas de Ingleses
do Rio Vermelho para constatar diversos fatores de desordem, ou seja, "janelas quebradas".
O experimento realizado nos Estados Unidos foi o seguinte: Dois carros idênticos, da
mesma marca, modelo e cor, foram deixados abandonados na rua. Um deles foi deixado no
bairro do Bronx, em Nova Iorque (desorganizado, violento e pobre) e o outro deixado em um
bairro da cidade de Palo Alto, na Califórnia (organizado e tranquilo), ou seja, dois carros idênticos
e dois bairros com populações bem diferentes.
O carro deixado no bairro do Bronx, em poucas horas começou a ser vandalizado.
Roubaram as rodas, em seguida o motor, os espelhos, o rádio, etc. Tudo o que fosse aproveitado
foi levado e o que sobrou foi destruído.
Nesse mesmo período, o carro abandonado no bairro de Palo Alto se manteve intacto.
Após essas primeiras observações, os pesquisadores, então, quebraram um vidro do
carro deixado em Palo Alto. A partir daí, desencadeou-se o mesmo processo ocorrido com o
outro carro, ou seja, roubo, violência e vandalismo reduziram o carro às mesmas condições
daquele deixado no bairro pobre do Bronx.
Aí nos perguntamos: Por que o vidro quebrado de um carro deixado num bairro tido
como seguro foi capaz de gerar toda uma gama de ações delituosas?
A resposta lógica é que o processo de vandalismo que se desencadeia não está ligado à
pobreza, mas sim à psicologia humana e às relações sociais.
Um vidro quebrado, como do experimento, nos remete à ideia de deterioração, de
desinteresse e de despreocupação; quebra nossas convenções sociais de convivência pacífica; e
faz pensarmos que naquele lugar não se aplicam as normas ou as regras legais. Esse gatilho
simbólico de um vidro quebrado induz a um comportamento de "vale-tudo" onde cada nova
investida de depredação acaba fortalecendo, replicando e perpetuando o comportamento,
levando o ambiente (rua, bairro, região, cidade etc... e a todos nele inseridos) à vivenciar cenários
cada vez mais degradados e com índices de violência e criminalidades cada vez maiores.
Portanto, a inércia ou demora em se resolver um problema (arrumar uma janela
quebrada) contribui com uma aparência de abandono de um local, o que leva ao descaso geral.
A pergunta que muitos fazem é a seguinte: Se não existe alguém que cuide de determinado lugar,
então por que eu (ou você) deveria me preocupar com isso e cuidar? O Fato é que, à medida que
o lugar vai piorando, o ambiente em sua volta vai se deteriorando e o cenário geral se torna cada
vez mais degradado e hostil, condições ideais para o aumento da violência e da criminalidade.
A seguir, algumas "janelas quebradas" que podemos observar em Ingleses do Rio
Vermelho:
1) Veículos abandonados em logradouros públicos:
Veículos abandonados fazem parte do experimento janelas quebradas original e
podemos observar esse fenômeno nas ruas de Ingleses do Rio Vermelho.
2) Casas, prédios, construções e terrenos abandonados:
Uma casa, um prédio, uma construção ou um terreno abandonado são "janelas
quebradas". Se esses locais não forem consertados, finalizados, demolidos ou limpos, a
tendência é que mais depredações aconteçam. Se mesmo assim nada for feito para reparar o
problema, o local pode ser invadido e vandalizado, se estiver inabitado, pode ser ocupado e
utilizado para a mais diversa gama de ilícitos, como roubo de tudo que tiver valor no local, uso
de drogas, local para ocultação ou receptação de produtos de furto e roubo, acendimento de
fogueiras e outros danos ambientais, sanitários etc.
3) Uso e ocupação irregular do solo:
O crescimento urbano desordenado, com o uso e a ocupação irregular do solo, é uma
"janela quebrada" e das grandes. Talvez a maior janela quebrada de Florianópolis. Ingleses do
Rio Vermelho não é diferente, muito pelo contrário, segundo o que temos observado em relatos,
artigos e matérias jornalísticas, nosso bairro é um dos que mais sofre com esse problema, muitas
pessoas que mudam para Florianópolis, acabam elegendo Ingleses do Rio Vermelho como sua
morada, pois é aqui que encontram "melhores condições" para adquirir um imóvel.
O fato é que muitos imóveis são construídos, comercializados e ocupados de forma
irregular, sem a observância de alguma norma técnica de construção (número de pavimentos,
afastamentos obrigatórios, taxa de ocupação máxima etc.); sem o cumprimento de alguma
norma legal como alvará, habite-se, escritura pública etc., o que acarreta sonegação de impostos,
risco para quem ocupa ou frequenta tais edificações, durante ou após a obra, devido a utilização
de materiais de baixa qualidade e risco de contaminação do meio ambiente devido a ligações
clandestinas junto a rede de esgotamento sanitário e pluvial.
Também ligado a essa "janela quebrada" do uso e ocupação irregular do solo, o
surgimento de comunidades de baixa renda salta aos olhos, já existem algumas dessas
comunidades em Ingleses do Rio Vermelho que estão em franca expansão, sem qualquer tipo de
saneamento e dignidade aos moradores e com grande influencia do crime organizado e trafico
de drogas. Esses locais, apesar das ações pontuais de alguns entes públicos, continuam sendo
um ambiente desorganizado que, pela falta de eficiência, eficácia, efetividade e demora em se
resolver o problema, contribui com a atual aparência de abandono e desordem do local, o que
leva ao descaso total e favorece o acontecimento de delitos mais graves.
4) Lixo nas ruas e terrenos:
O lixo acumulado em locais como terrenos desocupados, calçadas etc. é uma "janela
quebrada". Se ninguém remover o lixo (ou demorar para removê-lo), ação, essa, que pode ser
realizada pelo poder público ou por um particular, logo logo outras pessoas depositarão mais lixo no local.
5) Vias públicas sem calçadas ou com calçadas precárias:
Ligado ao uso e ocupação irregular do solo, muitas vias públicas são desprovidas de
passeios públicos (calçadas), em que pese que no Código de Trânsito Brasileiro é previsto que o
pedestre tenha precedência sobre o veículo. A inexistência de calçadas e a precariedade de
outras tantas são "janelas quebradas" de nosso bairro Ingleses do Rio Vermelho. Esse cenário de
falta de calçadas ou calçadas precárias (sem contar o fato da utilização das calçadas existentes
como estacionamento de veículos, citadas no próximo item) faz com que o pedestre se arrisque
utilizando a pista de rolagem para seu deslocamento ou se espremendo entre muros ou cercas e
veículos.
6) Utilização de calçadas e ciclovias como estacionamento ou para carga e descarga:
Outra "janela quebra" de Ingleses do Rio Vermelho é a utilização de calçadas e ciclovias
como estacionamento de veículos e para carga e descarga de produtos. Essa problemática é
sentida em diversas vias, porém destacamos aqui a Rodovia Armando Calil Bulos (SC 403), a
Rodovia João Gualberto Soares (SC 406), a Rua Intendente João Nunes Vieira e a Estrada Dário
Manoel Cardoso, principais "artérias" de Ingleses e que possuem o comercio mais desenvolvido.
Da mesma forma que o item anterior, ao se deparar com a sua calçada ocupada por veículo
estacionado ou um caminhão de carga e descarga, só resta ao pedestre a alternativa de desviar
desse veículo para seguir seu caminho, muitas das vezes tendo que desbordar por trás desse
veículo e/ou pela pista de rolagem, colocando em risco, assim, sua integridade física. Da mesma
forma do lixo nas calçadas, se a ação de parar ou estacionar nas calçadas ou ciclovias não for
evitado ou reprimido, logo logo outras pessoas farão o mesmo e as calçadas se tornarão
verdadeiros estacionamentos ou entrada e saída irregulares de veículos.
Destacamos aqui o fato de que o próprio meio-fio vem sendo rebaixado, quase que na
totalidade da via, para a implantação de estacionamentos, o que transforma calçadas e ciclovias
em verdadeiras armadilhas para o pedestre e o ciclista que se veem obrigados a transitar atras
dos veículos estacionados e desviar de veículos que estejam entrando ou saindo desses
estacionamentos e meios-fios rebaixados.
7) Comércios irregulares:
Uma das "janelas quebradas" mais visíveis do bairro de Ingleses do Rio Vermelho é a
grande quantidade de comércios irregulares (ambulantes ou não) ocupando total ou
parcialmente calçadas e ciclovias com bancadas, "araras", carrinhos de supermercado (que por
si só já é um outro problema) dentre outros objetos, e também de comércios que ocupam, por
meio de tendas, puxadinhos, construções e containers, a reserva de faixa não edificável ao longo
das faixas de domínio público da via e que impactam a livre circulação de pedestres e ciclistas,
especialmente na Rodovia Armando Calil Bulos, onde pode ser percebida a comercialização de
produtos de toda a ordem, desde alimentos, passando por roupas e outro produtos e até mesmo
pirataria.
8) Falta de áreas verdes e de lazer:
O bairro de Ingleses do Rio Vermelho possui muito poucas áreas verdes e de lazer, como
praças, parques, campos, quadras e ginásios esportivos, e as poucas áreas que existem se
encontram com falta de manutenção ou manutenção precária. Essa "janela quebrada" de falta
de áreas verdes e de lazer e/ou de falta ou demora na manutenção (arrumar a janela quebrada)
contribui com a aparência de abandono ou descaso quanto ao local, o que gera, como vimos na
pesquisa sobre janelas quebradas, mais desordem e favorece o acontecimento de delitos mais
graves.
9) Assistencialismo à população em situação de rua:
Uma "janela quebrada" que não é de fácil percepção por parte do cidadão é o
assistencialismo junto às Pessoas em Situação de Rua (PSRs). Muitas vezes um cidadão comum,
que tem o desejo de ajudar o próximo e "fazer a sua parte" na sociedade, decide fazer caridade
(benemerência) e doa comida, roupas e agasalho e até mesmo dinheiro para pessoas em
situação de rua. O fato é que existe um desentendimento do que é estar atuando no social e
no assistencialismo. A diferença dessas duas áreas é muito grande, antagonistas até. Enquanto
uma ação social objetiva a mudança de comportamento da pessoa assistida, uma ação
assistencialista deixa o assistido ainda mais vulnerável e dependente do estado em que se
encontra. Em uma ação social (bem-vinda) a relação de troca é realizada entre um agente de
mudança (governo, empresariado ou sociedade civil) e um adotante (pessoa que recebe a
ação). Nessa relação de troca, o agente de mudanças "vende" ideias e práticas ao adotante e,
esse, "paga", com sua mudança de comportamento, não ao agente de mudanças, mas sim,
indiretamente, a sociedade como um todo. Já, em uma ação assistencialista, a relação de troca
é realizada entre uma pessoa detentora de uma aparência de pobreza e necessidade (no nosso
caso a PSR) e uma pessoa doadora (benemerente). Nessa relação de troca, a pessoa com
aparência de pobreza e necessidade "vende" essa aparência ao benemerente e, esse, "paga"
diretamente àquela pessoa, por meio de doações diversas (comida, roupas, agasalhos,
produtos em geral ou dinheiro). O assistencialismo pode dar comida a uma pessoa, mas é o
problema que é alimentado. A ação de dar indiscriminadamente, sem obter um resultado com
a mudança de comportamento, não resolve o problema (não conserta a janela quebrada), mas
sim "quebra mais e mais janelas", fazendo com que o problema perdure e se agrave cada vez
mais.
Portanto, podemos chegar a algumas conclusões acerca de nossas janelas quebradas:
- Existe uma relação direta de causa e efeito entre a desordem e a criminalidade;
- A não repressão imediata e a impunidade de contravenções e pequenos delitos
contribuem para o surgimento de delitos mais graves e de crimes violentos;
- Se uma desordem ou irregularidade não é imediatamente corrigida, as pessoas tendem
a concluir que ninguém se importa e que não há uma autoridade que zela pelo local e que
recomponha a ordem;
- Se a ordem não é recomposta ou leva tempo para isso, o local é levado,
inevitavelmente, a um processo de agravamento de delitos e aumento da deterioração;
- Diante do aumento da deterioração do local, seguindo-se a lógica das janelas
quebradas, tendo em vista o abandono observado, o ambiente acaba por se tornar muito atrativo
e propício para os "negócios" ou até mesmo moradia para desocupados e pessoas com
tendências desordeiras e criminosas;
- Com a persistência da situação de degradação e abandono, a notícia se espalha e cada
vez mais pessoas de outros bairros e até mesmo de outras cidades são estimuladas a irem para
o local, ao mesmo tempo em que antigos moradores, de outrora um local tranquilo, são
impelidos a saírem dali e se mudarem para outros bairros ou cidades mais ordeiras e
acolhedoras.
Podemos concluir, então, que os delitos são mais frequentes e mais graves em locais
onde são percebidos mais abandono, descuido, desordem, irregularidades, sujeira e maltrato, ou
seja, onde existem mais janelas quebradas.
Porém, como abordamos neste artigo, as janelas quebradas não estão ligadas apenas a
elementos físicos, mas também a nossa conduta moral, nossas atitudes e discernimento de
escolher o certo e não o errado, o bom e não o ruim, o bem e não o mal, o legal e não o ilegal.
Devemos consertar nossas janelas quebradas, por menores que pareçam ser. Se passarmos a
achar que as pequenas transgressões são normais (jogar lixo no chão, estacionar ou parar o
veículo na calçada, exceder a velocidade da via, passar o sinal vermelho etc.), estaremos
perdendo o respeito por nós mesmos e progressivamente estaremos permitindo, banalizando e
aceitando coisas cada vez mais graves, até que tudo seja deteriorado, inclusive nossas próprias
forças.
Por isso temos de manter uma conduta ética pessoal e de grupo que fortaleça a nós e a
nossa vizinhança e comunidade na qual estamos inseridos e, ao mesmo tempo, não devemos
tolerar a desordem. Devemos sempre ter em mente e estar atentos às situações de nosso dia-a-dia que representam ameaça à ordem pública e à boa convivência social, não aceitar essas
situações e, principalmente, resistir a tentação de quebramos nossa primeira janela.
Alberto de Barros Neves
Coronel Reformado da Polícia Militar / MT
Pós-graduado em Gestão Organizacional em Segurança Pública
Presidente do Conselho Comunitário de Segurança 46 (Ingleses –
Santinho – Rio Vermelho)